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Jogue intensamente! Nossas vidas estão em jogo!

por Wolfi Landstreicher

quarta-feira 12 de Janeiro de 2011

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A Prática Anarquista como um Jogo de Subversão

Quando pela primeira vez entrei em contato com as idéias anarquistas nos finais dos anos 70 e pelo começo da década de 80, era um tanto comum falar sobre jogar e o jogo subversivo, graças àinfluência da Internacional Situacionista e dos melhores aspectos da contracultura. Há muito para ser desenvolvido, nestes termos, do pensamento àprática. Particularmente, penso que olhar a prática anarquista revolucionária como um jogo subversivo é um modo frutífero de entendimento dos objetivos, princípios e metodologia anarquista como uma base para desenvolver nossas estratégias e práticas.

O que tem distinguido o anarquismo de outros conceitos de transformação radical é que os anarquistas geralmente têm considerado suas idéias algo para ser vivido aqui e agora o tanto quanto for possível, bem como que os seus objetivos sejam realizados em uma escala global. Enquanto certamente devem existir anarquistas que escolheram transformar suas perspectivas em mera política, a idéia de viver a anarquia imediatamente dá ao anarquismo um alcance que vai muito além dessas visões limitadas, abrindo-o para a totalidade da vida.

Esse aspecto do anarquismo é o que faz a prática anarquista parecer um jogo. Deixe-me explicar. Um jogo pode ser descrito como uma tentativa de conseguir um objetivo especifico usando somente aqueles meios que se adequaram a certas condições aceitas por aqueles envolvidos pelo prazer que encontram em seguir tais condições, mesmo que elas diminuam a eficiência.
O objetivo da prática anarquista seria conseguir um mundo livre de todas as dominações, sem estado, economia ou as várias instituições através das quais nossa atual existência é definida. Eu não posso afirmar saber qual é o modo mais eficiente para conseguir isto. A partir de um ponto de vista anarquista, ainda não houve uma revolução bem sucedida, então não temos modelos de eficiência. Mas, para aqueles que desejam este fim, não por causa de um senso de obrigação moral, mas sim como uma reflexão em uma grande escala do que querem imediatamente, para suas próprias vidas, pequenos cálculos de eficiência para conseguir estes fins são raramente uma prioridade. Eu sei que eu prefiro tentar conseguir este fim de modo que me dê o prazer imediato de tomar de volta minha vida aqui e agora em oposição a ordem social que anseio em destruir.

Aqui é onde os "princípios" anarquistas - as "regras" do jogo - entram. A recusa em escolher mestres, promover leis, negociar com o inimigo, etc. são baseados no desejo de fazer com que nossas vidas sejam de nós mesmos, aqui e agora, jogar este jogo num modo que nos dá alegria imediata. Portanto escolhemos estas "regras" não por causa de um senso de obrigação moral, nem porque são os modos mais eficientes de conseguir nossos objetivos, mas, preferivelmente, pelo prazer que temos em viver nessas condições.

Nesta perspectiva, nós também podemos entender o porquê, na área da concessão, é imposta a nós de modo forçado - o reino da sobrevivência num mundo baseado em relações econômicas, o qual sempre é o oposto àtotalidade da vida - nós iremos escolher qualquer método necessário para nos manter vivos. (De qual outra forma poderíamos jogar este jogo?) Mas iremos fazer o que a necessidade nos impõe nesta situação (trabalho, roubo, fraude, etc.) como medidas temporárias para sustentar nossas capacidades de tomar de volta nossas vidas e lutar pelo mundo que desejamos, mantendo nossa rebeldia frente a estas imposições. Isto, de fato, é um aspecto do jogo subversivo na prática, contornando as imposições deste mundo contra ele. Aqui, sinto que seria bom desenhar uma distinção entre o fora-da-lei (criminoso) e o anarquista que esta jogando o jogo da subversão. Obviamente, todo anarquista, em algum grau, é um criminoso, desde que rejeitamos a idéia de que nossas atividades poderiam ser determinadas dentro da lei. Mas, a maioria dos criminosos não estão jogando o jogo da subversão. Ao invés disso eles estão, centrados no muito mais imediato jogo de passar a perna nas forças da ordem sem procurar destruí-las.
Para o anarquista revolucionário criminoso, este jogo imediato é simplesmente uma pequena parte de um jogo muito maior. Ele está fazendo um empreendimento muito maior do que o do "crime" imediato. Ele está agarrando sua vida no lugar de usar o crime para agarrar o mundo.

Portanto, este jogo combina o objetivo de destruir a ordem dominante para que possamos construir um mundo livre de toda dominação com o desejo de termos nossas vidas aqui e agora, criando isto o tanto quanto for possível em nossas próprias condições. Isto aponta para uma metodologia da prática, uma série de recursos que refletem o nosso desejo imediato de viver nossas vidas de nossa própria maneira. Esta metodologia pode ser resumida como se segue:

1- Ação direta- Atuar por nós mesmos por aquilo que nós desejamos no lugar de delegar o agir para um representante.
2- Autonomia - Recusar em delegar a tomada de decisões a qualquer corpo organizacional; organizações serviriam apenas como coordenação de atividades em projetos e conflitos específicos.
3- Conflito permanente - Batalha continua pelos nossos objetivos, sem nenhuma concessão.
4- Ataque - A não mediação, pacificação ou sacrifício; a não limitação de nós mesmos a uma mera defesa ou resistência, e sim almejar a destruição do inimigo.
Esta metodologia reflete o objetivo ultimo e o desejo imediato da prática anarquista revolucionária.

Porém, se estamos considerando esta prática como um jogo, é necessário entender que tipo de jogo é este. Nós não estamos lidando com um jogo no qual dois ou mais oponentes estão competindo entre si num esforço de conseguir o mesmo objetivo. Em tal jogo, existe lugar para a negociação e concessão. Ao contrario disto, o jogo subversivo é um conflito entre dois objetivos absolutamente opostos, o objetivo de dominar tudo e o objetivo de colocar um fim a dominação. No final das contas, a única maneira que este jogo poderia ser ganho é através de um lado destruir completamente o outro. Portanto, não há lugar para concessões ou negociações , especialmente não para os anarquistas que estão claramente em posição de fraqueza onde a "concessão" poderia ser , de fato, deixar esmagar.

Os objetivos, princípios, metodologia e o entendimento da natureza da batalha juntos, descreve o jogo anarquista revolucionário. Assim, como qualquer jogo, é a partir de suas bases que vamos desenvolver táticas e estratégias. Sem essas bases, falar de estratégias e táticas é apenas falar. Enquanto táticas é algo sobre o que conversamos em contextos onde se deve decidir quais movimentos se deve fazer em pontos específicos, é possível falar de estratégia de um modo mais generalizado. Estratégia é a questão de como conseguir um objetivo.

Isto requer uma compreensão de vários fatores. Primeiramente qual é o contexto no qual se está tentando conseguir estas metas? Que relação os objetivos têm com o contexto? Quais meios estão disponíveis para conseguir estes objetivos? Quem poderia agir como cúmplice neste esforço?
Estas questões assumem uma interessante mudança para os anarquistas, porque nosso objetivo (a erradicação de todas as dominações) não é algo que queremos para um futuro distante. Sem ser bons cristãos, não estamos interessados em nos sacrificar para as futuras gerações. Mais propriamente, nós queremos experimentar este objetivo imediatamente em nossas vidas e em nossas batalhas contra a ordem dominante. Portanto, precisamos examinar estas questões nas condições desses duplos aspectos de nossas metas.

A questão do contexto envolve a analise do amplo contexto global, a natureza das instituições dominantes, as amplas tendências que são desenvolvidas e os potenciais pontos de fraqueza e áreas de rupturas da ordem dominante. Isto também envolve examinar o contexto imediato de nossas vidas, nossas relações e encontros voluntários e involuntários, o terreno que no momento estamos atravessando, nossos projetos imediatos e por ai vai.

O relacionamento entre o que estamos empenhados e o contexto geral desta ordem social é parte do conflito Total. Porque nós estamos empenhados não apenas na destruição da dominação, mas também estamos empenhados em viver imediatamente contra a dominação, nós somos inimigos desta ordem.

Já que parte de nossos objetivos é ter o controle der volta de nossas vidas aqui e agora, nossos meios precisam incorporar isto. Em outras palavras, qualquer meio que envolve renunciar o controle de nossas é prontamente uma derrota. Mas isto é onde se torna necessário distinguir quais atividades constituem uma renúncia (votar, demandas, petições, negociar com o inimigo) e aquilo que poder ser incorporado na reapropriação da vida e atacar contra as instituições de dominação (como por exemplo trabalho temporário, certos tipos de golpes, etc. que dão acesso a certos recursos, informações e habilidades que são úteis numa prática subversiva).

Nosso cúmplice pode ser qualquer pessoa, indiferente se esta pessoa tem uma consciência anarquista critica ou não, que use meios que correspondem aos nossos em suas batalhas especificas contra o que o domina e oprime - meios através dos quais estão ativamente controlando suas vidas e lutas como suas prontamente. E nossa cumplicidade duraria enquanto eles utilizassem tais meios, e terminaria no momento que eles abrissem mão de sua autonomia ou começassem a negociar com os dominantes. Tendo estabelecido estas bases, aqui estão algumas áreas para discussão de estratégias:

Sobrevivência vs. a totalidade da vida
Estratégias para aniquilar continuamente o domínio da sobrevivência sobre nossas vidas, para fazer nossos projetos e desejos determinarem como nós lidamos com a sobrevivência o máximo possível - por exemplo: quando alguém precisa de um emprego, usar isto contra a instituição do Trabalho e Economia através da expropriação, desviar e doar coisas, sabotar, usando isto como uma escola livre para captar técnicas para seu projeto, sempre vendo isto como um meio temporário para os seus objetivos e estando preparado para sair assim que desejar.

Solidariedade - Existem dois aspectos distintos sobre isto.
1- Existem muitas explosões de conflito social que refletem parcialmente o desejo de retomar a vida de volta e destruir a dominação, e que usa uma metodologia como a que foi descrita acima, mas sem uma critica total consciente da parte dos participantes. Como podemos conectar nossa consciência e o conflito continuo com a ordem dominante com estas explosões de conflito numa maneira que combine com nossos objetivos, "princípios" e metodologia, já que o evangelismo e a "liderança moral" batem de frente com estes "princípios" nos tornando em fantoches de uma causa que estamos defendendo? Precisamos pensar em termos de cumplicidade e honestidade.
2- Há também os momentos quando o inimigo apanha algum companheiro e cúmplice e o aprisiona. Existe um habito, nesta situação, de cair em uma estrutura de suporte/trabalho social/caridade. Em termos de nossos objetivos e desejos, eu penso que isto é um grande erro. Sem negar a necessidade em construir fundos de segurança e manter comunicação aberta, a nossa questão primordial é como tornar esta situação em uma maneira de atacar a ordem dominante. As atividades anti-prisão do grupo francês Os Cangaceiros [1] nos oferecem alguns nutrientes para pensarmos nisso.

Rupturas diárias, em pequena escala
Existem eventos que acontecem diariamente numa pequena escala que causam rupturas temporárias na rotina social. Como podemos então usar esta subversidade contra esta ordem, expor a realidade desta sociedade e abrir outras possibilidades? Como podemos criar tais rupturas numa maneira que destrua a submissão e a aceitação da normalidade?

Rupturas de larga escala
Desastres, revoltas, levantes locais e regionais todos causam rupturas que podem revelar um grande evento na ordem dominante e que move as pessoas para a auto-atividade, generosidade e uma rejeição temporária da ordem moral desta sociedade. Como podemos aproveitar tais situações de maneira conveniente? O que podemos fazer para ajudar a estender a compreensão e a rejeição da ordem moral para além do momento? Como podemos expor os vários políticos e burocratas da ruptura - partidos políticos, lideranças sindicais, militantes e ativistas - sem passar por cima como mais um desse meio parasita?

Portanto, há um jogo vasto e desafiante diante de nós, o qual eu acredito que poderia transformar nossas vidas em algo maravilhoso. É um jogo que nós devemos jogar intensamente, pois neste jogo nossas vidas estão em jogo. Não há garantias nem métodos certos para ganhar. Mas para cada um de nós, como individuo existe um modo infalível de perder. Que é de fato ceder, se submeter ao que esta ordem dominante impõem. Quem está pronto para jogar?

Wolfi Landstreicher.

Publicado na Green Anarchy #23


[1Os Cangaceiros foram um grupo de revolucionários franceses que emergiram das revoltas dos estudantes, trabalhadores e das ocupações em maio de 1968 na França. Reivindicavam o "fim da política". Não tinham estrutura formal, era um coletivo formado por desejos individuais. Viviam de forma nômade criando vários squats e usavam o "crime contra o capital". Como suas ações os levavam frequentemente àilegalidade e muitas vezes a cadeia, compreenderam a importância dessas estruturas, com o tempo suas ações foram concentradas contra as prisões, usando sabotagem contra as prisões e contra as construções de futuras prisões, roubo de projetos de novas prisões e o incentivo de rebeliões e destruição das prisões. (N.d.t.)